terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Prefácio de Cromwell



Se tivéssemos o direito de dizer qual poderia ser, em nosso gosto, o estilo do drama, queríamos um verso livre, franco, leal, que ousasse tudo dizer, sem hipocrisia, tudo exprimir sem rebuscamento e passasse com um movimento natural da comédia à tragédia, do sublime ao grotesco, alternadamente positivo e poético, ao mesmo tempo artístico e inspirado, profundo e repentino, amplo e verdadeiro (HUGO, 2002: 77).


No final do século XVIII e início do século XIX, o grotesco ganhou  força dentro da literatura  mundial. Com isso, legitimou sua existência como categoria estética possível a convivência com o sublime das artes clássicas.  Como falamos em outras ocasiões, o grotesco vem do italiano gruta, caverna – traz ao palco tudo que disforme, vil, baixo, erótico, engraçado, chocante; visando dessacralizar o que é demasiadamente sagrado, ou institucionalizado, por meio de formas distintas durante o discurso. 

Victor Hugo.
Publicado em 4 de dezembro de 1827, em Paris, França, o Prefácio de Cromwell é uma bem elaborada teoria do drama romântico, que tem como mérito maior o modo como abordou o tema e costurou diversas pensamentos românticos dentro de um único momento. Nele, Victor Hugo apresenta o romantismo dramático como uma nova forma de poesia, surgida nos tempos modernos, e cita três momentos históricos: os tempos primitivos, de encantos com o mundo, momento lírico, tem odes e hinos, como forma de expressão; tempos antigos, onde ocorre grandes acontecimentos; e os tempos modernos, onde se instala os drama romântico. 

Nos tempos modernos é possível graças à duplicidade (corpo/alma) descoberta pelo homem graças ao cristianismo, que permite a existência do celestial, o belo, o sublime, ao tempo em que coexiste com o feio, o inferno, o grotesco. 

Para Hugo, o homem moderno é o resultado da co-existência do grotesco e do sublime no agir humano, surgido do paradoxo entre corpo e alma, que faz emergir uma infinidade de possibilidades artísticas. Dessa forma, o drama romântico, por coexistir com o grotesco, deveria caraterizar-se pela mistura de gêneros, abandonar as fronteiras entre a comédia e a tragédia para produzir a síntese do homem moderno, cômico em meio à tragédia. 

Tudo na criação não é humanamente belo, o feio existe ao lado do belo, o disforme perto do gracioso, o grotesco no reverso do sublime, o mal com o bem, a sombra com a luz." (HUGO, 2002, p. 26 - grifos nossos).


O autor propõe ainda a abolição das regras propostas por Boileau, por considerá-las pretensiosas e infundadas, pois convenções, como unidades de ação de acordo com o tempo/espaço não trazem vantagens à história; além disso, o autor da obra tem direito de adaptá-la, de acordo com necessidades de verossimilhança, variando quanto ao tempo e espaço no qual se desenvolvem. 

Hugo apresenta ainda sua opinião sobre a escola dramática francesa, afirmando que ela é constituída de falsidade e hipocrisia, pois esta era dominada pelos dogmas clássicos e que, segundo ele somente fomentaria o declínio da literatura. A crítica pretende mostrar que a poesia poderia ser inventada independente das convenções sem prejuízos ao leitor e ao autor. Além de tudo isso, Hugo crítica por fim, o uso de uma linguagem excessivamente gramatical, não permitindo ao leitor envolver-se na poesia do texto. 

Sendo esta a apreciação de Victor Hugo aos adeptos da escola francesa dramática, é com o mesmo princípio e critério que ele elege Shakespeare e Molière, respectivamente, como o primeiro grande representante e o ponto culminante do verdadeiro drama moderno.


Bibliografia:
HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime: tradução do prefácio de Cromwell.
Tradução e notas de Célia Berrettine. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.

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