quinta-feira, 4 de abril de 2013

A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais - Mikhail Bakhtin


   
Mikhail Bakhtin (1987), em sua análise na obra A cultura popular na Idade Média e no Renascimento - o contexto de François Rabelais, diz que a compreensão do grotesco se dá pela cultura popular por concebê-lo como um corpo social que se opõe ao corpo clássico, a exemplo do Carnaval em que a proibição imposta pela sociedade dita elevada é transformada em alegria nos festejos carnavalescos, caracterizados pela inversão de valores, status, ordem, sexualidade, etc.

    Ao contrário da festa oficial, o carnaval era o fundo de uma espécie de libertação temporária da verdade dominante e do regime vigente, de abolição provisória de todas as relações hierárquicas, privilégios, regras e tabus. Era a autêntica festa do tempo, a do futuro, das alternâncias e renovações... (BAKHTIN, 1987, p. 8-9).

                                                                                                                             
No Renascimento, a utilização de expressões grotescas com forte referência às partes baixas do corpo, dejetos, entre outras, estava presente nas feiras, praças e festas e provisoriamente desfaziam as relações hierárquicas entre os indivíduos participantes. Nesses ambientes encontrava-se uma espécie de linguagem baixa e grosseira, típica do vocabulário familiar, “[...] isso produziu o aparecimento de uma linguagem carnavalesca típica, da qual encontramos numerosas amostras em Rabelais” (BAKHTIN, 1987,p.9).

Resenha da obra  

  

Já na introdução do texto, Bakhtin apresenta o problema e revela o objetivo principal da obra: entender a influência da cultura cômica popular na obra de François Rabelais, dentro do contexto do grotesco, fazendo-se necessário estabelecer as fronteiras da multiplicidade da cultura popular. De acordo como ele, as manifestações da cultura popular podem ser divididas em três categorias: as formas dos ritos e espetáculos (festejos carnavalescos, obras cômicas representadas nas praças públicas, etc.); obras cômicas verbais; de diversa natureza: orais e escritas, em latim ou em língua vulgar; e diversas formas e gêneros do vocabulário familiar e grosseiro (insultos, juramentos, etc.).


A primeira categoria diz respeito aos festejos populares em praça pública, e à comicidade na vida do homem medieval, em oposição a seriedade das celebrações religiosas no período feudal. Para ele, tais ritos e espetáculos apresentavam uma visão do mundo contrária à visão oficial (religiosa), criando uma dualidade no mundo no qual cremos e no qual vivemos.

Na sequência, Bakhtin apresenta a literatura em latim na qual a comicidade é alcançada por meio de paródias em obras célebres e cerimônias religiosas. Grosserias, palavras injuriosas, blasfêmias, juramentos, etc., são empregados na visão carnavalesca do mundo, transcendendo o caráter puramente gradativo e adquiriam sentido regenerador e renovador da vida, utilizado nos rituais religiosos da época. As obras de Rabelais eram permeadas pelo princípio da vida material e corporal, isto é, rebaixava o plano espiritual ao plano material, tal fenômeno foi denominado por Bakhtin como grotesco.

A partir do segundo capítulo, o autor parte para o interior da obra de Rabelais a fim de explicitar a presença dos elementos do grotesco em sua narrativa. Para ele, o vocabulário é o meio pelo qual ocorre o “rebaixamento” material-corporal de todas as coisas, num ciclo de renovação  contínua. No terceiro capítulo, Bakhtin analisa o todo imagético do realismo grotesco e sua presença na obra de Rabelais; ganham importância as imagens do parto e o ato de comer como forma de comicidade.

O ato de comer, ou o banquete, é o tema principal do quarto capítulo. Para o autor, comer e beber são as manifestações mais importantes da vida do corpo grotesco. As características especiais desse corpo são que ele é aberto, inacabado, em interação com o mundo. É no "comer" que essas particularidades se manifestam da maneira mais tangível e mais concreta: o corpo escapa às suas fronteiras, ele engole, devora, despedaça o mundo, o faz entrar dentro de si, enriquece-se e cresce às suas custas.

Os capítulos 5 e 6 aparecem, respectivamente, os temas da imagem grotesca do corpo e do “baixo” material e corporal em Rabelais, temas que convergem e se completam no panorama geral do realismo grotesco. A imagem grotesca do corpo representa as relações do corpo com o cômico, através da maneira como o corpo é apropriado pelo cômico como, por exemplo, o nariz, cujo tamanho era diretamente proporcional à potência e o tamanho do órgão sexual masculino. A estas imagens grotescas do corpo associa-se o contato do homem com o mundo, com o “baixo” material e corporal.



   
No sétimo capítulo do livro, Bakhtin explora “As Imagens de Rabelais e a Realidade do seu Tempo”, uma tentativa de situar historicamente a obra do autor francês no contexto do renascimento do século XVI. É importante destacar o caráter contestador da ordem oficial vigente no trabalho de Rabelais, em um século no qual o cristianismo era o próprio ar que se respirava naquilo que chamamos Europa e que era a Cristandade que “Do nascimento à morte, estendia-se toda uma cadeia de cerimônias, de tradições, de costumes, de práticas – que sendo cristãs ou cristianizadas, ligavam o homem e o prendia, mesmo se pretendendo liberdade."

 O autor

 

Mikhail Mikhailovich Bakhtin nasceu em Orel, na Russia, a 17 de fevereiro de 1895, foi filósofo e teórico da cultura europeia e das artes. Inspirado no marxismo, semiótica, estruturalismo, crítica religiosa escreveu sobre literatura, história, filosofia, antropologia e psicologia. Criou uma nova teoria do romance europeu no qual incluiu o conceito de polifonia - presença de outros textos dentro de um texto, causada pela inserção de autor num contexto que já incluiu previamente textos anteriores que inspiram ou influenciam o autor - em obras literárias. Escreveu ainda sobre questões de estilo e teorias de gêneros do discurso. Foi líder intelectual de estudos científicos e filósofos desenvolvidos por um grupo de estudiosos russos, conhecido como o "Círculo de Bakhtin".


Mikhail Bakhtin (1895–1975). 

 

Considerações finais 

  
Em sua análise sobre Rabelais, Mikhail Bakhtin enunciava em seus estudos sobre a estética da criação verbal e constituição da sua arqueologia do grotesco - a partir da fala do povo - o quanto a camada popular se identifica com o discurso teratológico e escatológico. Aponta que no Renascimento essa fala do grotesco/fala rebaixada e também das partes de baixo do homem – do corpo/tabu, do sexo, etc. – ou do discurso do cotidiano – estava presente nas tabernas, nas feiras, nas praças e nas festas do Renascimento – contatamos que hoje esse discurso do grotesco está nas Ágoras midiáticas.




Referências:
BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François  Rabelais. Tradução de Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec; Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008.
LEITE, Francisco Benedito. Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento no Contexto de François Rabelais Como Obra de Maturidade Mikhail M. Bakhtin. In: Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras e Ciências Humanas – UNIGRANRIO,  2010. 

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